Como funcionam as maçanetas? - Julia Maia
A tecnologia ao longo do tempo foi ficando invisível e, com isso, nosso conhecimento sobre o mundo também -- e eu duvido que a gente pense sobre isso o suficiente.
A crise existencial
Sabe quando você era criança e ficava entediado ou batia aquela onda de pensamento em que você lembrava que tinha consciência e ficava refletindo sobre tudo? E quando você pensava na morte ou no absoluto nada e dá um frio na barriga e uma ansiedade em relação ao desconhecido? Enfim, eu fui uma criança que tinha muitos desses momentos de parar pra me questionar, uma pequena filósofa de fato.
Se tem uma coisa em que eu era e sou boa é me perguntar sobre o funcionamento das coisas, e não é à toa que meu desenho preferido da infância era show da Luna. E, como uma curiosa nata, é óbvio que as dúvidas vinham quase como um instinto, eu me perguntava sobre tudo: abria a porta de correr e tentava entender por que ela deslizava; dava corda em uma caixinha de música e tentava entender de onde sai o som; encarava uma maçaneta, que é esse objeto tão comum, e me perguntava: como isso funciona? E até hoje às vezes eu me questiono: quantas pessoas realmente sabem como funciona uma maçaneta?
A maçaneta
A maçaneta, afinal, está em tudo quanto é canto. Tocamos em várias diariamente, mas raramente paramos para pensar no seu mecanismo. É sempre o mesmo gesto automático: girar e empurrar. Mas por trás desse simples movimento há um sistema mirabolante de lingueta, mola e tração. Saber disso pode parecer irrelevante, e podemos pensar que tanto faz se a população sabe ou não como funciona uma maçaneta no mundo moderno, mas eu venho pensando que talvez o fato de não sabermos, e nem nos importarmos em saber, revele algo bem mais profundo sobre o nosso tempo.
Eu imagino que houve uma época em que entender o funcionamento das coisas era essencial, ou melhor, inevitável. Quando a roda foi inventada, por exemplo, seu impacto não era só tecnológico, mas visível, palpável. Era possível ver claramente como ela funcionava, como ela girava, como facilitava o transporte, como era construída e tudo mais. A conexão entre o objeto e sua utilidade era direta, era simples. Saber como algo funcionava era parte da nossa convivência com o mundo. E era, de certa forma, parte da sobrevivência.
A alienação do não entender
Hoje, vivemos rodeados por todos os tipos de objetos e tecnologias engenhosas, alienados, sem pensar e sem entender nada sobre o seu funcionamento. Sabemos usar um telefone, sabemos gravar vídeos, criar conteúdos ou desenhar digitalmente. Muitos conseguem trabalhar apenas com um celular, mas poucos sabem explicar o que acontece dentro dele ao tocar um ícone. Acendemos a luz, mas dificilmente pensamos na corrente elétrica, na geração de energia ou no interruptor que conecta tudo isso. A tecnologia ao longo do tempo foi ficando invisível e, com isso, nosso conhecimento sobre o mundo também. A banalização desse desconhecimento criou uma nova forma de alienação: não da realidade, mas dos mecanismos que a compõem, e eu duvido que a gente pense sobre isso o suficiente.
Além disso, a sensação que eu tenho é de que agora, a tecnologia está sempre à frente de todos nós. Novos dispositivos, sistemas e ferramentas surgem em ritmo tão acelerado que não conseguimos acompanhar e, quando aprendemos a usar ou finalmente temos acesso a essa “nova coisa”, outra já está tomando o seu lugar. É como se estivéssemos sempre correndo atrás — e nunca conseguindo alcançar. Isso produz uma estranha relação com o tempo: em um piscar de olhos, o presente já parece ultrapassado e o futuro, inalcançável. Vivemos em um mundo que opera por tecnologias que não compreendemos e que, em muitos casos, nem temos tempo de tentar compreender. Esse descompasso entre o ritmo da inovação e o ritmo da nossa compreensão cria uma espécie de passividade da nossa parte. Aceitamos as mudanças sem questionar, porque não sabemos por onde começar. E assim, mais e mais, o mundo vai se transformando em uma caixa-preta: um lugar onde as coisas simplesmente “funcionam”, mas ninguém sabe exatamente como ou por quê.
Conclusão
A maçaneta, nesse sentido, é um símbolo. Um lembrete de que há um sistema por trás, mesmo das coisas mais simples; há um raciocínio, uma construção humana. Ao nos esquecermos de perguntar “como isso funciona?”, perdemos um pouco da nossa ligação com o mundo físico e com as ideias que moldam nossa realidade. Mais do que nostalgia, essa reflexão é um convite à curiosidade. Saber como funcionam as coisas é uma forma de estar mais presente, mais consciente, mais conectado. E talvez, se voltarmos a olhar para as maçanetas com os olhos de quando éramos crianças, possamos reaprender a ver o mundo com mais atenção, com mais encantamento e, sobretudo, com mais entendimento.
oi Ju! Adorei seu texto!! Eu sempre penso sobre como as coisas devem funcionar! :)